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Sons de sim – "Enfeites de cabocla"

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Gazel de Hafiz N° 8

Algumas vezes perambulo pelos sebos paulistanos. Gosto do ambiente de estantes tomadas por livros. Sempre se pode fazer bons negócios. Não deixo no sebo um bom livro de poesia se o preço for convidativo.

Um livrinho despretencioso mostrou-se raro e foi uma ótima compra. Chama-se "Os gazéis de Hafiz", um corajoso trabalho de tradução de Aurélio Buarque de Hollanda, publicado em 1944 pela Livraria José Olympio Editora. A tiragem foi de 200 exemplares numerados. Mas engana-se quem supõe que eu possua um desses raríssimos volumes. Comercialmente, talvez, não seja tão raro. Eu mesmo gastei a bagatela de R$ 7. Mas a minha cópia (exatamente) é fruto do trabalho diletante – assim suponho – de um anônimo e pobre amante de poesia. Tal pessoa copiou (possivelmente por não poder mais comprar o volume), numa máquina de datilografar, com extremo capricho, todo o conteúdo do livro, com 124 poemas e inclusive o precioso ensaio do prefácio, de Hollanda, entitulado "Hafiz". Para isso, nosso datilógrafo adquiriu folhas pautadas específicas para livros.

O gerente ou dono do sebo, localizado na região da praça da República, aventou a possibilidade de se tratar de um croqui anterior a edição, possibilidade descartada pela xerox da capa do livro presente na abertura do volume.

Hafiz foi o grande poeta persa do século XV. Precursor mais importante de Omar Kháyyám. Consagrou o gênero gazel ou gazal. A noção básica de um gazel é que ele é composto por um conjunto de dísticos (combinação de dois versos), com rima nos versos do primeiro dístico, a qual se repete no segundo verso dos dísticos seguintes.

A tradução de Hollanda não preservou a rima, mas isso não impede a unidade harmoniosa e a beleza dos poemas, concentrados nos temas do amor, do vinho e da solidão do poeta.

Sobre essa solidão, Manuel Bandeira compôs um gazel, do qual extraio um dístico:

– Poeta de Chiraz, teu verso
Tuas mágoas e a minha diz,

Bem, depois de vários pormenores, transcrevo o gazel n° 8, "O sorriso"

=== O SORRISO

Uma destas noites, um sábio me falou: "É preciso conheceres o segredo daquele que nos vende o vinho."

E ainda: "Não leves nada a sério. O mundo carrega de enormes fardos aqueles que dobram a cerviz."

Depois, estendeu-me uma taça onde o esplendor do céu se refletia tão vivamente que Zuhra se pôs a dançar:

"Filho, segue o meu conselho; não te inquietes com as noites deste mundo. Guarda as minhas palavras: elas são mais raras do que as pérolas"

"Aceita a vida como aceitas essa taça, de sorriso nos lábios, ainda que o coração esteja a sangrar. Não gemas como um alaúde; esconde as tuas chagas"

"Até o dia em que passares por trás do véu, nada compreenderás. Não podem ouvidos humanos ouvir a palavra do anjo"

"Na casa do amor, não te envaideças das tuas perguntas, nem da resposta."

Vinho, ó Saki, mais vinho: as loucuras de Hafiz foram compreendidas pelo Senhor da alegria, Aquele que perdoa, Aquele que esquece...

2 comentários:

marcio cenzi disse...

Gostei, Silvio.
aprendi mais uma: o gazel.

eli disse...

E eu, nesta nossa bem diferente língua comum, desconhecia «sebo», com a acepção aqui usada. Amei!

Sílvio, parto para férias. Em Setembro, cá estarei, prontinha para novas aprendizagens.

:)

Bj-e