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sexta-feira, 31 de agosto de 2007

"Eta acordinho ruim" - Uma resposta

A carta abaixo foi enviada por e-mail ao autor do artigo "Eta acordinho ruim", que saiu no Diário de Notícias (Lisboa), no dia 20 de agosto, a respeito do novo acordo ortográfico que deve entrar em vigor nos próximos meses.

Abaixo da minha resposta, segue a transcrição do artigo, que me foi enviado por meu amigo Wilson Coutinho Jr, uma das pessoas mais bem informadas a respeito da língua portuguesa.

Prezado Alberto Gonçalves

Meu nome é Silvio Lourenço, sou formando em letras (português e lingüística) pela Universidade de São Paulo e tenho observado o quanto possível o debate a respeito do novo acordo ortográfico, não apenas o que se diz no Brasil, mas também nos demais países de língua portuguesa, não ignorando Portugal como alegadamente o senhor generaliza desde o início de seu artigo.

Li "Eta acordinho ruim", publicado no Diário de Notícias em 20 de agosto, e respeito as opiniões a favor ou contrárias sobre tão complexa questão, que envolve muito mais do que mudanças na escrita deste ou daquele país, mas avança sobre os delicados campos da própria identidade nacional.

É a respeito desse campo que gostaria de asseverar sobre seu artigo, e dizer-lhe que, no mínimo, contém várias incorreções, senão que está eivado de preconceitos, tanto lingüísticos como étnicos, cheirando à xenofobia e à lalofobia.

Que Portugal e seus habitantes não aceitem e mesmo repudiem o acordo, tudo bem. Eu, particularmente, concordo com algumas medidas e discordo de outras.

Gostaria apenas de, a título de informação, citar alguns dos "nativos do Maranhão", como pejorativamente o senhor usou essa expressão, não sei com qual pretensão, mas de todo modo lamentável, bem como a expressão seguinte, "pivetes do Rio".

São "nativos do Maranhão" apenas Gonçalves Dias, Artur Azevedo, Aluisio de Azevedo, Sousândrade e Ferreira Gullar (este vivo), todos eles grandes escritores, a maioria poetas. Incluo entre tais nativos o nome de Manoel Odorico Mendes, autor das primeiras traduções em português das obras de Virgílio e Homero.

O debate está aberto e precisa de opiniões mais balizadas e técnicas. E sobre sua consideração de que o Brasil pratica um "colonialismo invertido", apenas duas informações: Primeiro, há muito tempo nem o Brasil e nem qualquer dos demais países de língua portuguesa que, lamentavelmente, foram colônias de Portugal o são ainda para que possa haver tal colonialismo às avessas. Segundo, o Brasil, mesmo sendo a maior nação de língua portuguesa do planeta, com mais de 186 milhões de falantes, tem nesse acordo o direito a apenas um voto, tanto como Portugal e demais países. Assim, essa conversa de colonialismo não pode caber nesse debate, a não ser como piada.

Concluo dizendo que todas as línguas mudam, o que não significa de modo algum que elas evoluam ou regridam. O latim vulgar, que como língua falada desapareceu, também foi considerado por algumas mentes medíocres como um processo de deturpação da língua clássica. Interessante o fato de que se isso não tivesse acontecido, jamais a frase de epígrafe ao seu artigo poderia um dia ter sido dita ou escrita. Assim, caso o senhor mantenha o conjunto de suas opiniões, temo que não lhe reste outra alternativa senão dedicar-se à mímica.

Atenciosamente.

Silvio Lourenço


Transcrição do artigo na íntegra.

Diário de Notícias, Lisboa


O artigo saiu no Diário de Notícias (Lisboa), no dia 20 de agosto.

ETA ACORDINHO RUIM

Relevados o clima úmido e a porcentagem de antissemitas, como sabem as pessoas que leem a mídia, o fato é que Fábio adorava o Egito. Mal teve uma chance, entrou em ação, meteu-se num jatinho e partiu. Para ele, foi ótimo.

"O velho Acordo Ortográfico de 1990, que permite redigir deste lado do Atlântico a maravilha acima e que se julgava falecido e enterrado, regressa para nos assombrar. A Folha de S.Paulo prevê a sua implementação no Brasil em 2008. Nas entrelinhas, fica a insinuação de que, a médio prazo, Portugal pode fazer o mesmo. É natural que o Brasil se antecipe. Afinal, as mudanças afectarão somente 0,45% do vocabulário deles, contra 1,6% do nosso. Não basta ao Acordo ser estapafúrdio na forma: os seus responsáveis empenharam-se em levar a originalidade aos pormenores, incluindo a cedência da língua materna a variações faladas e escritas a sete mil quilómetros de distância por criaturas que, com frequência e se calhar com razão, ignoram haver um País chamado Portugal. Trata-se de um colonialismo invertido, alegadamente o preço a pagar para que - Deus nos livre! - a língua não se perca. E se, até certo ponto, a língua ameaçar perder-se? E se os nativos do Maranhão ou os pivetes do Rio, contra todas as expectativas, permanecerem indiferentes aos decretos das academias e continuarem a forçar os limites do português para lá do inteligível? A solução será prender uns milhares de infractores a título pedagógico ou prosseguirmos, interminavelmente, a constante adaptação do português de Portugal aos exotismos ultramarinos?

A segunda possibilidade, pelo menos, disfarçaria a incapacidade das nossas escolas em ensinar as crianças a entender textos cujo suporte não seja o telemóvel. Mas aviso: no dia em que for obrigado a iniciar uma crónica com "Uai, o premiê Sócrates tá a fim de botar a gente a falar que nem os caipira!", passo a dedicar-me à mímica."


Escrito por Alberto Gonçalves, sociólogo.albertog@netcabo.pt


2 comentários:

Anônimo disse...

Ótima resposta Sílvio. Concordo plenamente que o artigo em questão é preconceituoso, aliás, um dos grandes problemas que enfrentei quando morei em Portugal sendo eu brasileiro.

Não foi apenas uma vez que eu ouvi de alguns a seguinte frase: "Vocês brasileiros estariam pendurados nas árvores como macacos se nós não fôssemos lá e levássemos a civilizacão."

É claro que não são todos assim.

Mas boa parte da Europa acredita que só ela é a "civilização" - o resto é colônia.

Sua resposta não apenas denuncia isso, como promove uma reflexão mais profunda a respeito, especialmente quando tal preconceito vem de um sociólogo.

Um grande abraço! Espero que publiquem sua resposta.

Sidarta Martins disse...

Não sei se respeitarei este acordo ortográfico.

Abraços,