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sexta-feira, 25 de maio de 2007

USP: entre a ocupação e a mentira

Marcello Fontes*


“afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário;” (Provérbios 30:8)

Possivelmente, em Votorantim há muitos jovens que sonham em estudar na Universidade de São Paulo. E nos últimos dias, nunca se pode saber tanto e de forma tão difusa e por vezes confusa acerca do que se passa com esta instituição. O prédio da reitoria da USP está ocupado por estudantes há 22 dias. O que isto realmente significa? Muita fumaça têm sido espalhada no ar pela mídia. Tentemos dissipá-la.
De início, um fato é inegável: greves tem ocorrido na USP quase que anualmente. Mas, nas palavras do colunista Marcelo Coelho, “não fosse a ocupação da reitoria, ninguém estaria ligando a mínima para essa greve”. Nesse sentido, independente de considerações sobre ser o ato da ocupação violento ou radical, graças a ele hoje a maioria da população sabe, embora de forma enviesada pela cobertura muitas vezes parcial e até mesmo mentirosa da imprensa, de algo que desde Janeiro acontece, ou seja, que José Serra baixou decretos que mexem de forma substancial com a relação entre o governo do estado e as universidades estaduais.
Em artigo publicado nesta mesma Folha de Votorantim em início de Fevereiro, denominado “Página virada ou sujeira sob o tapete”, já alertava sobre a periculosidade dos decretos de Serra. Em resumo, eles desmembram as FATECs e Escolas Técnicas da Secretária de Educação, reformulam o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas), de forma a introduzir a espúria figura de um Secretário de Ensino Superior que passa ter voto decisivo ali, suspende a contratação de professores, inclusive de concursos em andamento, contingenciam parte dos recursos da Universidades e prevêem um controle extremo, pelo qual, como conseqüência, para transferir dinheiro de uma rubrica à outra, do seu próprio orçamento, as universidades passariam a depender da autorização do governador. Ora, diz a Constituição brasileira no artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. E então, feriu-se ou não a autonomia universitária?

Serra e boa parte da imprensa, em particular a marrom Veja, insistem em afirmar que não. Em malabarismos verbais e despistes, buscando caracterizar os alunos ocupantes como meros baderneiros e as universidades como privilegiadas e pouco “produtivas”, ineptas e que gastam muito e mal, o que se tem visto é uma operação conhecida, que Paulo Henrique Amorim denuncia em seu blog “Conversa Afiada”: “O problema.. é que ele acha que as universidades de São Paulo têm dinheiro demais. E ele quer controlar esse dinheiro. E se Serra é o Serra que se conhece, os reitores podem ter certeza: Serra quer os 9,57% do ICMs (*) que hoje vão para as universidades. E lá na frente, bem depois da linha do horizonte, já se sabe o que Serra e Pinotti querem (pelo que fizeram os tucanos no poder): privatizar o ensino”.

Do fim da 2ª Grande Guerra para cá se tem falado freqüentemente em Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, como o pai da máxima: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Não são necessárias mil vezes, desde que habilmente ditas como verídicas no momento oportuno. E é precisamente o que parece estar ocorrendo com a ocupação da reitoria na USP. Ela não é um ato de selvageria, tudo o que danificou foi uma porta a ser ressarcida pelo movimento estudantil e tem um claro objetivo político que tem sido alcançado: fazer o país discutir a autonomia universitária. Agora, a confusa reitora, após solicitar a reintegração de posse, pode ser a primeira em quase quarenta anos a ver a PM invadir a Universidade.

Até o momento em que escrevia este artigo, nas imediações das USP, a ocupação prosseguia. E por mais que se tenha reservas a este ou aquele aspecto do ato em si, ele demonstra coragem, indignação e não subserviência a gestos sub-reptícios, que buscam pragmatizar e mercantilizar a universidade. Aqueles que apenas utilizam a USP como grife para constar em seus cartões de visita, por dependerem de seus negócios privados pouco se importam com isso. Mas quem é realmente educador e pesquisador, teme estas mentiras e tentativas perigosas de alguém como Serra, ex-líder estudantil, grande decepção do momento. Como diz o professor Ricardo Musse, “...o mais engraçado dessa situação é o contraste da pauta de notícias e manchetes dos jornais: no mesmo instante em que Lula usa sua polícia para prender empreiteiros e políticos corruptos, a polícia de Serra entra em prontidão para atacar os estudantes da USP”. Ironias históricas de um país pouco acostumado à resistência civil contra governantes.

* Mestre em Teologia pelo IEPG e Graduando em Filosofia pela USP, é Professor de Teologia e Filosofia - marcellofontes68@gmail.com



5 comentários:

Mandi disse...

Se eu não estivesse trabalhando, estaria no meio da greve, certamente. Acho que as coisas chegaram a um limite impossível de ser tolerado... O de querer nos privar da única fuga à selvageria castradora do capitalismo. O ser humano nunca foi livre pra pensar, é verdade, mas não existe pior forma de castração mental que a que ocorre em um meio capitalista ocidental contemporâneo, de forma extremamente velada...

Sidarta Martins disse...

Essa greve é boa pros estudantes profissionais dos partidos de esquerda.

Se a autonomia está na Constituição, como um Decreto pode revogá-la? Isso ninguém me explica.

Se o Serra quer ou não privatizar, não sei. Mas que os Reitores se negam a dar transparência às suas gestões isso eu sei. É necessário falar em privatizar a USP para unir a moçada em movimentos liderados por partidos sem representatividade.

O M.E. ainda não demonstrou que vai pagar a porta. Quase 1 mês lá, já dava pra ter feito algo?

A invasão tem legitimidade entre os estudantes da USP? 500, 1000 ou 2000 podem falar pela maioria? Eu não dei mandato a ninguém. Será que era tudo estudante da USP mesmo?

Seria um espanto se o Musse falassem bem de quem ele não apoia politicamente.

Aliás, é engraçado que a FAPESP é cidatada como parte desse "esquema" de privatização do ensino e os sistemas federais de fomento à pesquisa não? P q? O Lula tb resolveu "focar" as pesquisas quem fomenta.

Abraços,

Anônimo disse...

De fato, o que Serra fez foi na surdina, na calada da noite. Mas ele não esperava por isso, pode ter certeza. Ótimo texto!

Sidarta Martins disse...

Vc precisa fazer um "banner" pra eu colocá-lo nos link do Na Cal.

Abraços,

P.S., alguém leu o artigo que o Aloysio, secretário do Serra, escreveu hj na folha? Gostaria de ver uma boa contra-argumentação

Anônimo disse...

Gostaria de parabenizá-lo pelo texto. Poderia ser inserido, com certeza, em um grande jornal ou revista "respeitável" para defesa das instituições de ensino e os maus administradores.
Quem sabe, os professores da rede pública de ensino tivessem coragem como os alunos da USP para defendê-los dos ataques dos alunos, para melhora do material didático, para o respeito aos profissionais do ensino.
Tomara que essa greve, esse desafio dos alunos e professores redundem em resultados positivos ao Brasil.