Marcello Fontes*
“afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário;” (Provérbios 30:8)
Possivelmente, em Votorantim há muitos jovens que sonham em estudar na Universidade de São Paulo. E nos últimos dias, nunca se pode saber tanto e de forma tão difusa e por vezes confusa acerca do que se passa com esta instituição. O prédio da reitoria da USP está ocupado por estudantes há 22 dias. O que isto realmente significa? Muita fumaça têm sido espalhada no ar pela mídia. Tentemos dissipá-la.
De início, um fato é inegável: greves tem ocorrido na USP quase que anualmente. Mas, nas palavras do colunista Marcelo Coelho, “não fosse a ocupação da reitoria, ninguém estaria ligando a mínima para essa greve”. Nesse sentido, independente de considerações sobre ser o ato da ocupação violento ou radical, graças a ele hoje a maioria da população sabe, embora de forma enviesada pela cobertura muitas vezes parcial e até mesmo mentirosa da imprensa, de algo que desde Janeiro acontece, ou seja, que José Serra baixou decretos que mexem de forma substancial com a relação entre o governo do estado e as universidades estaduais.
Em artigo publicado nesta mesma Folha de Votorantim em início de Fevereiro, denominado “Página virada ou sujeira sob o tapete”, já alertava sobre a periculosidade dos decretos de Serra. Em resumo, eles desmembram as FATECs e Escolas Técnicas da Secretária de Educação, reformulam o Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas), de forma a introduzir a espúria figura de um Secretário de Ensino Superior que passa ter voto decisivo ali, suspende a contratação de professores, inclusive de concursos em andamento, contingenciam parte dos recursos da Universidades e prevêem um controle extremo, pelo qual, como conseqüência, para transferir dinheiro de uma rubrica à outra, do seu próprio orçamento, as universidades passariam a depender da autorização do governador. Ora, diz a Constituição brasileira no artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. E então, feriu-se ou não a autonomia universitária?
Serra e boa parte da imprensa, em particular a marrom Veja, insistem em afirmar que não. Em malabarismos verbais e despistes, buscando caracterizar os alunos ocupantes como meros baderneiros e as universidades como privilegiadas e pouco “produtivas”, ineptas e que gastam muito e mal, o que se tem visto é uma operação conhecida, que Paulo Henrique Amorim denuncia em seu blog “Conversa Afiada”: “O problema.. é que ele acha que as universidades de São Paulo têm dinheiro demais. E ele quer controlar esse dinheiro. E se Serra é o Serra que se conhece, os reitores podem ter certeza: Serra quer os 9,57% do ICMs (*) que hoje vão para as universidades. E lá na frente, bem depois da linha do horizonte, já se sabe o que Serra e Pinotti querem (pelo que fizeram os tucanos no poder): privatizar o ensino”.
Do fim da 2ª Grande Guerra para cá se tem falado freqüentemente em Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, como o pai da máxima: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Não são necessárias mil vezes, desde que habilmente ditas como verídicas no momento oportuno. E é precisamente o que parece estar ocorrendo com a ocupação da reitoria na USP. Ela não é um ato de selvageria, tudo o que danificou foi uma porta a ser ressarcida pelo movimento estudantil e tem um claro objetivo político que tem sido alcançado: fazer o país discutir a autonomia universitária. Agora, a confusa reitora, após solicitar a reintegração de posse, pode ser a primeira em quase quarenta anos a ver a PM invadir a Universidade.
Até o momento em que escrevia este artigo, nas imediações das USP, a ocupação prosseguia. E por mais que se tenha reservas a este ou aquele aspecto do ato em si, ele demonstra coragem, indignação e não subserviência a gestos sub-reptícios, que buscam pragmatizar e mercantilizar a universidade. Aqueles que apenas utilizam a USP como grife para constar em seus cartões de visita, por dependerem de seus negócios privados pouco se importam com isso. Mas quem é realmente educador e pesquisador, teme estas mentiras e tentativas perigosas de alguém como Serra, ex-líder estudantil, grande decepção do momento. Como diz o professor Ricardo Musse, “...o mais engraçado dessa situação é o contraste da pauta de notícias e manchetes dos jornais: no mesmo instante em que Lula usa sua polícia para prender empreiteiros e políticos corruptos, a polícia de Serra entra em prontidão para atacar os estudantes da USP”. Ironias históricas de um país pouco acostumado à resistência civil contra governantes.
* Mestre em Teologia pelo IEPG e Graduando em Filosofia pela USP, é Professor de Teologia e Filosofia - marcellofontes68@gmail.com
5 comentários:
Se eu não estivesse trabalhando, estaria no meio da greve, certamente. Acho que as coisas chegaram a um limite impossível de ser tolerado... O de querer nos privar da única fuga à selvageria castradora do capitalismo. O ser humano nunca foi livre pra pensar, é verdade, mas não existe pior forma de castração mental que a que ocorre em um meio capitalista ocidental contemporâneo, de forma extremamente velada...
Essa greve é boa pros estudantes profissionais dos partidos de esquerda.
Se a autonomia está na Constituição, como um Decreto pode revogá-la? Isso ninguém me explica.
Se o Serra quer ou não privatizar, não sei. Mas que os Reitores se negam a dar transparência às suas gestões isso eu sei. É necessário falar em privatizar a USP para unir a moçada em movimentos liderados por partidos sem representatividade.
O M.E. ainda não demonstrou que vai pagar a porta. Quase 1 mês lá, já dava pra ter feito algo?
A invasão tem legitimidade entre os estudantes da USP? 500, 1000 ou 2000 podem falar pela maioria? Eu não dei mandato a ninguém. Será que era tudo estudante da USP mesmo?
Seria um espanto se o Musse falassem bem de quem ele não apoia politicamente.
Aliás, é engraçado que a FAPESP é cidatada como parte desse "esquema" de privatização do ensino e os sistemas federais de fomento à pesquisa não? P q? O Lula tb resolveu "focar" as pesquisas quem fomenta.
Abraços,
De fato, o que Serra fez foi na surdina, na calada da noite. Mas ele não esperava por isso, pode ter certeza. Ótimo texto!
Vc precisa fazer um "banner" pra eu colocá-lo nos link do Na Cal.
Abraços,
P.S., alguém leu o artigo que o Aloysio, secretário do Serra, escreveu hj na folha? Gostaria de ver uma boa contra-argumentação
Gostaria de parabenizá-lo pelo texto. Poderia ser inserido, com certeza, em um grande jornal ou revista "respeitável" para defesa das instituições de ensino e os maus administradores.
Quem sabe, os professores da rede pública de ensino tivessem coragem como os alunos da USP para defendê-los dos ataques dos alunos, para melhora do material didático, para o respeito aos profissionais do ensino.
Tomara que essa greve, esse desafio dos alunos e professores redundem em resultados positivos ao Brasil.
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