Este ronco
ronca
metralhando as paciências
dessa insônia sem agonias.
Este ronco
faz-me pedir à noite
mais horas,
necessário encompridamento,
útil reposto
ao repouso perdido.
Este ronco
é tropicante
nas ranhuras desdentadas
da noite chuvosa.
Chuvosa e friíssima noite,
sem coberturas,
a babar melancolias.
Ronco
que não quer o fim de sua raia,
não se impera a cessar
por cuidado do seu vizinho.
Quanta desconsideração há no ronco!
Ronco
que se multiplica solenemente
em sua agudeza,
e destitui toda e qualquer beleza...
tristeza, tristeza!
Não ronque! Psiu, psss...
Deixe a noite se perder
no profundo silêncio
que caracteriza as noites clássicas.
O ronco atrapalha as noites clássicas,
a lua e os amantes dessas noites.
Mas sobrevive o ronco
como protesto de quem se cansou
na labuta desse dia quase infindável
e sem gracejos.
No entanto,
ainda quero que prenda,
amarre
e cale esse ronco
ou transforme-o
para mim
em suspiro feminino
ou numa ode de Paganini
ou no surreal de Dalí
acompanhado de tortas de morangos.
Dê-me um remédio contra o ronco.
Nem um bufão graceja
com tremenda importunação.
Tromboneteiro ronco!
Que espécime
mais sub-reptícia e odiosa a provocar a aflição dos justos!
Costurai a boca maldita!
Tapai-a com betume quente,
afogando o atabaque roncador
num ritual de mórbida vingança.
Tudo se desculpa nas pessoas,
exceto esse excesso da aspiração roufenha,
áspera,
áspera e grave como um trem antigo
que os transtornados não contêm.
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