Gosto de epitáfios, pois são, via de regra, poéticos. A força poética dos epitáfios encontra-se no remorso, pois são palavras lisonjeiras (poucas vezes sinceras, ainda que justas) que não foram entregues a tempo. Que eu bem me recorde só Fernando Sabino prescreveu seu próprio epitáfio.
Sou admirador da obra de Federico Garcia Lorca, o rouxinol da Espanha. Sua morte foi imitada mais tarde por Dietrich Bonhoeffer, que retornou a Alemanha nazista para resistir ao hitlerismo. Lorca foi mártir por permanecer na Andaluzia ao invés de fugir, já que era considerado uma grande ameaça pelos nacionalistas. Foi executado com um tiro na nuca, a poucos metros de sua casa.
Pela mescla de sua extraordinária arte com sua trágica morte resolvi deixar o poema abaixo, composto em setembro de 2005.
Canto da morte do caracol
Pastando deliciosas ervas
altíssimas estrelas nunca encontrei
nem dantes contemplei fulgores
distantes olhinhos a sondar matas e rios.
Agora, que erva alguma suave possa me apetecer
cintilantes formas devo encontrar – pensei –
e apesar de fraco talvez cante
como rãs velhas
suspiro
eternidade
misteriosos astros.
"Nunca poderás cantar, não és rouxinol!" – entendidos ordenam.
Em todas veredas
lagoas,
formigas,
abelhas,
possuir pareciam
alguma galáxia.
E ansiava
algol ou cometa
desgarrado
vislumbre
esperado inesperado.
O nunca chegou cedo
um quase
sem cantar
muito poderia
vi
pela vez última
familiares alamedas
riscadas sendas em diamante
estrela cadente
golpeada
fuzilada
explodindo
miríades vermelhas
escorrendo
nos vãos
da eternidade.
3 comentários:
Parabéns pelo blog Sílvio! Estarei sempre visitando! Um grande abraço e sucesso!
Boa, Silvio! Embora não tenha ainda lido Lorca de forma decente... Falam muito de sua tônica feminista, etc. etc., e isso que me incentiva a pensar com carinho na leitura da obra da criatura.
Manda bala, menino! Quero ver mais coisas aqui... E suas, hein?? bjs!
Rodrigo Borges esteve aqui.! Vou acompanhar, Silvio. Abraço!
Rodrigo Borges
Estado de Circo
[www.estadodecirco.net]
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