
Morcegos mexem mandíbulas
no sótão
guincham de gozo
II

Paredes desbotam
pombas desbotam
pombos jamais
no desbotar do dia
botas batem nas ruas batidas: téqui-téqui-téqui-téqui
alguém corre a bater o cartão
o poeta bate letras olivetti
palavras desbotam
III
Não
e nada aqui
tendo o nada
nada tenho
longe amigos
a mente amola o longe
A memória é lata de lixo
melhor esvaziar que vira moléstia
mil voltas,
salto linhas...
De novo nadas
IV

guinchos de morcegos,
cantos de galos,
gritos de gatos,
arrulhos de pombos
são nós na noite
e nada nem coisa nenhuma se faz natural
V
Esqueço calças
rezo preces esquisitas
parecem guizos de cascavel

Escrevo novo apocalipse
crivado de lapsos
apoucado de símbolos
Aqueço e enxugo gelo
suco seco
o sol separa as noites
Pétalas de uma flor
pretas, pratas, lilases
fios tinturados nas faces

dois cêntimos apenas
Deus deu o troco e ficou
O menino desenhando o alfabeto
as letras crescem
criam peixes e meninos
A máquina faz barulho
o aparelho do silêncio
está com defeito
Pílulas, papéis, problemas
passas secas ao sol
nos cabelos passa pente de osso
Pássaro poetando no ar
peixe poetando no mar
uma pedra partiu o poeta
VI

Exílio da noite – sol
exílio da solidão – vênus
exílio da flor – pedra
exílio do tempo – amanhã
exílio da alegria – perda
exílio da velhice – infância
exílio da humanidade – deus
exílio de mim – outro
VII
A moça tem uma boca
a boca da moça tem dentes
massageiam mensagens
musgadas
VIII
O amanhecer já é incógnita
cada aurora engana sua noite
nas frinchas se enfaixam feixes iluminados
as ruas são suas ruínas
as cirandas infantis tornam-se sérias
carros rangem de carroças
mercancias desinteressam
num castelo penitenciário
os condenados glosam poemas
como príncipes devaneiam

suas pontas causam cócegas
nas portas
IX

se acumula no assoalho
lagartixas brancas brecam velhas moscas verdes
Papéis na mesa e girassóis fora
palavras não penetram os papéis às vezes
então colemos palavras lisas
X
O tempo se tapou
nimbos são tampas
devolvem rios em gotas
bátegas escorrem azuladas na vidraça
retratam tipos post-mortem
surgem epitáfios
poemas de remorsos
pústulas mapeiam e adensam paredes da última morada
XI

transitam estrelas
na trilha cinzelada do caos
estrelas se caiaram de cinzas
Vênus se vê irritada
acende-se no cinza
XII
O pavio queimou inteiro
esqueçam o que se foi
esqueçam a casa
esqueçam a cama
esqueçam a criança
e o estado fetal

esqueçam a noite
esqueçam morangos
esqueçam seios nas mãos
esqueçam cantos
e lençóis
A chuva despediu-se da moça
esqueçam a arca
esqueçam os primatas
esqueçam o plâncton
esqueçam o sopro
e o barro

esqueçam suas flores
esqueçam suas pedras
esqueçam suas borboletas
esqueçam suas ilhas
até que a dor resgate nossas lembranças
XIII
Negaram o existir da natureza
busco imagens na própria ignorância
realizo pássaros que amamentam seus filhotes
meus sapos voam solenemente
ancorados em altos telhados
contemplam os girassóis azuis
no dia que o céu tingiu-se de verde
o mar amarelou-se de medo
e os peixes pescavam homens
Minha sopa tem gengivas brancas
e madeixas de medusa
despréstimos da ilusão

Os homens querem conhecer como árvores
arvoram ignorância por saber
árvores riem e roncam ao vento
murmurador
de nossos devaneios às anciãs silvestres
elas sabem coisas remotas
seus enigmas confundem
sua dor é imensa
dor é uma coisa de quem não se presta a morrer
XIV
Faltaram feições
ficou a frieza férrea
a feiúra a fenecer
um festim de facas
Essas facas cegas
ao tempo resistem
as noites cortam os dias
retalhando-os em lanços

Os perfumes das pétalas
pruridos ficaram
nas pisadas descalços
sangram os pés nos espinhos
As moças não sabem as danças
músicas moram maçantes
doces regalam velhas moscas
que no festim fitam as mesmas máscaras
FIM do breviário.
Um comentário:
Ao que me parece, uma noite de insônia q rendeu uma linda poesia
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