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sexta-feira, 22 de junho de 2007

Istambul, terra cindida de Sezen e Gencebay

A coroa portuguesa, em épocas dantescas, proibia na Terra de Santa Cruz a divulgação de idéias, a circulação de jornais ou qualquer material impresso, pois temia a organização do povo tropical, desejando, quem sabe, a sua emancipação.

Efetuou um eficiente processo de aniquilamento das ameaças. Quando, ainda, na província de Piratininga, falava-se não o idioma português, mas uma língua geral, híbrida, e com maior influência do guarani, havia uma espécie de logofobia em relação aos indígenas, que levou a coroa a persegui-los até a lalocepção de outras manifestações lingüísticas que não a européia.
O brasileiro, caso esse processo não tivesse chegado ao fim, poderia ser um povo bilingüe, o que acrescentaria em muito a nossa cultura já rica devido a outros a processos.

A bem menos tempo, na década de 1980, foi editada uma lei na Turquia que proibia manifestações lingüísticas em outras línguas locais que não o turco. Isto significou que na Turquia podia se expressar em turco, inglês, francês, alemão e até em português, mas não, por exemplo, em curdo, língua falada por cerca de 15 a 20 milhões de pessoas só na Turquia, ou outras línguas locais, como o circassiano. Esta nefasta proibição durou pouco mais de dez anos, sendo revogada nos anos 90. Durante o período de vigência, alguns cantores não podiam gravar um disco em sua língua, por exemplo. Essa situação, entre outras, influenciou a música na Turquia em seu principal traço, sua constante tristeza.

O filme "Atravessando a ponte – o som de Istambul" (review 1, review 2) é um bom documentário, que apresenta os retratos obtidos pelo cineasta alemão de origem turca Fatih Akin sobre a rica e diversificada cultura musical de uma cidade grande, antiga e repleta de oposições. Istambul é cindida entre Europa e Ásia, tradicional e moderno, maioria pobre e minoria rica etc., e o estreito de Bósforo (foto), assim como as ruas da cidade e sua diversidade musical, é o símbolo maior do entrechoque e cruzamento dessas oposições.


Os momentos mais interessantes do documentário enfocam a relação da música com a cultura turca e a inserção de novos domínios culturais em uma sociedade de maioria muçulmana, que coexiste, não só geograficamente, mas, sobretudo, na margem de duas civilizações e sistemas culturais, o Oriente e o Ocidente, com todas as suas resistências e seus múltiplos apelos. E, como o Bósforo, entre os dois continentes, à tarde, é calmo e fascinante, Istambul quer ser uma cidade de todos os povos, músicas e culturas, sem que com isso tenha de haver necessariamente uma segregação étnica e cultural.



Esta parte do filme (acima) retrata um animado encontro em cidade de maioria de origem romena, próxima a Istambul, no qual excelentes músicos tocam de modo muito informal, enquanto seus ouvintes se esborracham de tanto beber chope. Fica evidente a alegria dançante da música romena em contraste à triste melancolia da música turca.

Dois importantes músicos da Turquia, entre outros presentes no documentário, são o instrumentista, cantor e ator Orhan Gencebay e a cantora Sezen Aksu.



Gencebay é de origem árabe, chegou a Istambul com seu saz, instrumento de cordas típico e, segundo ele, com o qual compôs todas as suas músicas e é seu confidente. Gencebay é uma legenda na Turquia. Estrelou inúmeros filmes, fazendo o papel de galã ou herói, possui dezenas de discos e é o cantor das massas. Confira acima um pouco de seu talento.



Já Sezen é a preferida dos jovens, possui uma voz limpa e há mais de vinte anos é a cantora de maior sucesso na Turquia, prestigiada pelas mocinhas apaixonadas e pelos novos rappers que invadem o ambiente musical de Istambul. Sezen já carrega fortes traços da ocidentalização cultural, que avança sobre o território cultural árabe, dominante na capital turca. Veja acima, em trecho do filme, recortado de imagens carregadas de sofrimento, a performance da cantora de Istambul.

Recomendo, principalmente a quem é atento à cultura musical, que assista a este documentário, pois, além dos itens acima, ele é bem montado, tem trilha sonora de boa qualidade, diversidade cultural e não se limita à armadilha de restringir-se a esfera pop.


3 comentários:

Mandi disse...

Sempre me interessei por coisas do leste europeu, por isso sou mesmo suspeita de dizer, rs...

Saudades, menino! O que anda fazendo? Bjs!

Sidarta Martins disse...

Vou ver este filme. Gostei da indicação.

ABraços,

Carol Rosa disse...

Meu bem,

Texto muito bem escrito. E, de fato, valeu a dica. Tbm quero conferir! :)

Bjs